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A 2ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva/Núcleo Campos, do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), decidiu por arquivar o processo em que membros da comissão do projeto “Valei-me São José” teriam denunciado o Padre Marcos Paulo Pinalli da Costa por utilizar de cerca de R$ 35 mil, valor arrecadado através de doações para construção da Igreja São José, no bairro Água Santa. Segundo o relato, o valor foi gasto com manutenção de carro, seguros, viagens, impostos, telefone e doação à Mitra. Pinalli afirma que foi autorizado pelo Bispo.

Segundo a decisão do MP, não houve qualquer ilicitude no emprego dos recursos, já que foi doação sem encargo, à paróquia e não à entidade futura (não é o caso do art. 554 do Código Civil), ainda que vinculada a um projeto que acabou não sendo implementado por não se ter alcançado o montante necessário para tanto. Quando muito, ainda que se pudesse, vislumbrar caráter de encargo na doação, a obrigar o donatário (no caso a paróquia) a cumprir o encargo, sob pena de resolução da doação, caberia aos doadores a iniciativa de reaver o valor por eles doado, na via própria, já que o interesse geral a que se refere o art. 553 do Código Civil não foi contrariado, eis que não houve desvio em proveito próprio da doação e, sim, para pagamento de despesa da paróquia. Considero, aqui, o interesse geral como sendo o da paróquia, não dos noticiantes que se arvoram em tentar representá-lo.

Confira a Decisão de Arquivamento na íntegra

Cuida-se de inquérito civil instaurado a partir de representação de comissão de fiéis que contribuíram em campanha destinada à construção de Igreja no bairro Água Santa, em São João da Barra, conhecida como “Projeto Valei-me São José”.  Segundo os noticiantes (membros da comissão do projeto “Valei-me São José”), o então pároco de São João da Barra, padre MARCOS PAULO PINALLI DA COSTA, teria enganado os fiéis e, sem o seu consentimento, utilizado indevidamente o dinheiro das contribuições para pagamento de despesas com manutenção de carro, seguros, impostos, telefone, viagens, doação à Mitra Diocesana de Campos etc.  Pedem, portanto, que este órgão ministerial adote providências para que o padre seja instado a devolver o dinheiro gasto, que estimam em R$ 34.584,56 (trinta e quatro mil reais, quinhentos e oitenta e quatro reais e cinquenta e seis centavos).

Prestou informações o Bispo Diocesano de Campos, Dom Roberto Francisco Ferrería Paz (fls. 27/28), e o próprio padre noticiado, ouvido por termo às fls. 29/31, nesta data.

Reputo suficientes os esclarecimentos prestados pelo padre noticiado, bem como pelo Bispo Diocesano, de sorte a dispensar qualquer outra diligência, tendo por afastado qualquer indício de irregularidade no uso dos recursos captados dos doadores.

Em primeiro lugar, bom esclarecer que os próprios noticiantes, na representação, em momento algum, afirmam que o padre teria desviado em proveito próprio tais recursos, mas os utilizado para finalidade diversa da qual foram captados: ao invés da construção a Igreja, teriam sido gastos para custear despesas com veículos, impostos, contas diversas etc., contas estas da paróquia, como ficou esclarecido no depoimento do padre, hoje colhido.

Ademais, ao contrário do afirmado pelos noticiantes, o padre não o fez porque quis (não quis mais construir a Igreja, alvo da campanha que iniciou) e, sim, porque não arrecadou recursos suficientes para a obra idealizada, chegando a alcançar pouco mais da metade do montante estimado (R$ 80.000,00).  Diante disto, ao ter finalizado a campanha com a captação de R$ 45.830,00, utilizou R$ 34.584,56 para cobrir despesas correntes da paróquia (o carro era o carro paroquial; as contas pagas eram da paróquia; a doação à Mitra, na verdade, era o repasse obrigatório de 10% dos recursos arrecadados pela paróquia;  etc.), deixando R$ 17.678,58 de saldo na conta da paróquia, como comprova o extrato de fls. 10, juntado pelos próprios noticiantes.  Sem embargo, a aplicação dos recursos na manutenção da paróquia, com o pagamento das despesas da mesma, foi autorizado pelo Bispo Diocesano e teve o aval do Conselho Econômico, órgão de controle paroquial, com previsão no Cânone 537 do Código de Direito Canônico, sendo certo que o pároco é o administrador natural dos recursos da mesma, nos termos do Cânone 532 do mesmo Código.

Não bastasse a plena observância das regras do Direito Eclesiástico regentes do governo paroquial por parte do então pároco noticiado, a afastar qualquer atuação arbitrária da parte do mesmo, já que autorizado pelo Bispo e com o aval do órgão consultivo da paróquia, é certo que não socorre aos noticiantes a pretensão de decidir quanto ao emprego dos recursos arrecadados na campanha, que foram doados à paróquia, não à Comissão de que se intitulam fazer parte, que não é órgão oficial de gestão paroquial, nos termos dos Cânones acima citados.  Nestes termos, não se tratou de doações com encargo e, sim, simples doações à paróquia, passando os recursos doados a integrarem as receitas da paróquia e, desta sorte, podendo ser empregados segundo o juízo de necessidade do pároco e de seus superiores hierárquicos e órgãos consultivos oficiais.  E assim foi feito.

Mas se não bastasse tudo o quanto foi dito, há uma idiossincrasia que merece total destaque e consta do final dos esclarecimentos prestados pelo padre noticiado e comprovados com os documentos que juntou (fls. 32/33).  Em verdade, dos membros da Comissão que subscrevem a representação, apenas três foram doadores, sendo que outros dois fazem claque familiar para um deles, e os três últimos não doaram um centavo sequer, estando a pegar carona nas aleivosias assacadas contra a honra do então pároco, sabe-se lá por quais motivos.   Contra o movimento, o padre juntou o abaixo-assinado já mencionado (fls. 32/33), por meio do qual colheu o aval de outros 41 doadores, de 50 ao todo, representando R4 35.600,00, portanto mais do que o montante utilizado licitamente no pagamento de despesas da paróquia.  Conclui-se, portanto, que os noticiante não têm a menor representatividade, não podendo se arvorar em porta-vozes paroquiais e, muito menos, dos doadores, já que somam 3 deles, contra 41, isto levando em conta o escore declarado, sem considerar os outros 5 doadores que o padre não contatou pelas razões que expôs em seu depoimento, e, de outra banda, uma doadora que manifestou adesão ao pleito dos representantes, segundo o próprio padre.  Estatisticamente, portanto, a esmagadora maioria dos doadores endossou o emprego do dinheiro, ficando vencidos, quase isolados, os noticiantes, o que os desqualificam para pleitear qualquer providência em desfavor do padre noticiado, até porque agiu licitamente, dentro dos parâmetros das normas eclesiásticas que o regem.

Isto posto, seja por não reconhecer ofensa a direito coletivo ou difuso, face a não representatividade dos noticiantes, seja porque, no mérito, não houve qualquer ilicitude no emprego dos recursos, já que foi doação sem encargo, à paróquia e não à entidade futura (não é o caso do art. 554 do Código Civil), ainda que vinculada a um projeto que acabou não sendo implementado por não se ter alcançado o montante necessário para tanto.  Quando muito, ainda que se pudesse, ad argumentandum, vislumbrar caráter de encargo na doação, a obrigar o donatário (no caso a paróquia) a cumprir o encargo, sob pena de resolução da doação, caberia aos doadores a iniciativa de reaver o valor por eles doado, na via própria, já que o interesse geral a que se refere o art. 553 do Código Civil não foi contrariado, eis que não houve desvio em proveito próprio da doação e, sim, para pagamento de despesa da paróquia. Considero, aqui, o interesse geral como sendo o da paróquia, não dos noticiantes que se arvoram em tentar representá-lo.

Isto posto, determino o ARQUIVAMENTO do feito.

INTIMEM-SE os noticiantes (todos eles, já que são apenas oito, três deles da mesma família, que podem receber uma única intimação).

Dê-se CIÊNCIA ao Bispo Diocesano e ao padre noticiado, autorizado este a fazer uso da presente decisão em seu desagravo, ante a repercussão que os noticiantes deram à representação nos meios de comunicação locais.

SUBAM os autos, na sequência, ao Egrégio Conselho Superior do Ministério Público, nos termos do art. 9º, § 1º, da Lei n.º 7.347/85, com as nossas respeitosas homenagens.

Campos, 18 de dezembro de 2019.

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