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Foto: Globo

É inegável a exuberância do Rio. Emoldurada por maravilhas naturais, a cidade se desenvolveu abraçando as diversidades culturais e aliando as transformações herdadas do Brasil colonial com a modernidade arquitetônica de Lucio Costa a Oscar Niemeyer. Foi essa miscigenação cultural que, mais uma vez, deu ao Rio o protagonismo de um grande evento mundial. Depois da Jornada Mundial da Juventude, Copa do Mundo e, em breve, das Olimpíadas de 2016, será a vez de a cidade sediar o XXVII Congresso Mundial da União Internacional de Arquitetos. O maior evento do segmento deve reunir 15 mil arquitetos e urbanistas de todo o mundo para discutir o futuro das cidades sob a luz do tema “Todos os Mundos. Um só mundo. Arquitetura 21″, em 2020. O anúncio foi feito em Durban, na África do Sul, ontem, durante a XXV edição do evento, que ocorre a cada três anos. O Rio concorria com Melbourne, na Austrália, e Paris, na França, e contou com uma apresentação emocionante em sua defesa. Com a quarta maior delegação do evento, o Brasil, representado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) e outras entidades do setor, contou com show de uma escola de samba, vídeos e pedidos de apoio dos representantes de outros países.

— Será a primeira vez que o Brasil, que nunca tinha se candidatado, vai sediar o congresso, estamos muito felizes. A escolha do Rio é um reconhecimento do modo como lidamos com as diversidade de nossas questões urbanas. O mundo do Século 21 é um mundo urbano, e os problemas que o Brasil enfrenta se reproduzem em várias outras cidades urbanizadas — comemorou Sérgio Magalhães, presidente do IAB.

Com um prazo de seis anos para se preparar para o evento, a expectativa do IAB é trazer grandes nomes da arquitetura para discutir o problema da expansão predatória das cidades. Mesmo sem programação definida (a expectativa é que o evento seja em julho), o presidente do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade, Washington Farjato, aposta na região central, em obras, para comportar o congresso mundial:

— Como o evento será quatro anos depois das Olimpíadas, poderemos discutir com propriedade o impacto do legado deixado no Rio. O congresso poderia ser sediado na região central. Seria muito bom ter arquitetos de todo o mundo circulando por ali, quando já devemos ter uma área mais revitalizada — projeta.

Fajardo defende que o futuro da humanidade será traçado nos países asiáticos e latino-americanos e que, neste cenário, o Rio possui uma posição especial devido ao seu histórico de desenvolvimento com preservação.

Por meio de nota, o prefeito Eduardo Paes disse que “a escolha retrata o atual momento de transformação por que passa a cidade. Uma transformação que, à luz do resgate de um rico passado histórico, projeta um futuro de desenvolvimento. O Rio tem características únicas: é uma metrópole que, emoldurada por uma natureza exuberante e uma arquitetura diversificada, tem grandes desafios sociais a enfrentar. Ou seja: é uma cidade síntese para o arquiteto do século 21”.

O historiador e professor da New York University Jean-Loius Cohen, especialista em arquitetura, comemorou a escolha:

— Dada a notável contribuição do Brasil para a arquitetura moderna e seu envolvimento na resolução dos problemas enfrentados pela cidade contemporânea, sediar o congresso mundial de arquitetos é mais do que merecido.

Quem também reforçou a relevância do país no cenário da arquitetura mundial foi o bisneto de Oscar Niemeyer, Paulo Sérgio. Segundo ele, o Rio, através de seu bisavô e de Lucio Costa, exportou conceitos que inspiraram arquitetos da atualidade, como Zaha Hadid, Norman Foster e Richard Meier:

— As pessoas precisam se aproximar da arquitetura. O lixeiro tem que conversar com o urbanista, não dá para ter uma rua que não comporte um caminhão de lixo direito, por exemplo. Além disso, esse evento será uma prova de fogo para os projetos realizados no Brasil para a Copa e Olimpíadas, porque arquitetos do mundo inteiro poderão opinar sobre eles aqui.

Feiras e fóruns simultâneos ao evento

O IAB deve realizar feiras e fóruns simultâneos ao congresso, para que a sociedade civil possa estar envolvida no evento mundial, segundo Pedro da Luz, presidente do departamento do IAB no Rio. Luz destaca a formação das favelas cariocas como um dos temas que deve ser somado ao debate.

— A favela é um tema que interessa muito ao terceiro mundo, por refletir o modo como o ser humano está construindo o seu espaço, já que não consegue ser absorvido pelos mecanismos de mercado.

Para o historiador e arquiteto Nireu Cavalcanti, o congresso poderá direcionar tendências da produção arquitetônica e ditar práticas profissionais:

— Na política e na economia sempre há o discurso de quebrar barreiras, a exemplo da União Europeia, Mercosul e dos Brics. O congresso mundial é uma oportunidade de reunir arquitetos para driblar barreiras culturais, permitindo que um profissional possa atuar em qualquer lugar conhecendo suas especificidades.

Cavalcanti compara o potencial do evento ao Congresso Internacional de Arquitetura Moderna, que ditou a Carta de Atenas (manifesto urbanístico que ditou tendências a toda a arquitetura mundial), realizado na Grécia em 1933.

— Esse manifesto orientou os arquitetos a usarem a linguagem modernista. Se você analisa a construção de Brasília, ela foi toda baseada nos princípios estabelecidos na Carta de Atenas. Temos condições de fazer algo semelhante aqui definindo tendências — defendeu.

O estudioso criticou um fenômeno que ele trata como “modismo em arquitetura”, no qual as construções ficam vulneráveis a certos estilos.

— Hoje toda cidade sonha em ter uma torre de Dubai, mesmo que isso não tenha nada a ver com o espaço, com a história e com os valores culturais e arquitetônicos daquele lugar. Isso não faz sentido e precisa ser debatido — disse.

A avaliação do presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR), Haroldo Pinheiro, destacou a oportunidade que precisa ser aproveitada para discutir os novos rumos da arquitetura no país e no mundo.

— Serão 6 anos para que nós possamos trabalhar e explodir, em 2020, no Congresso do Rio de Janeiro, com nossas ideias e nossos pensamentos — afirmou Haroldo Pinheiro.

Para o pesquisador Renato Tomasi, autor do livro “Lares cariocas – Tendências Rio”, é exatamente o crescimento desordenado da cidade que faz do Rio um bom representante da cena urbana dos países emergentes.

— As cidades se urbanizam de uma forma muito rápida e o Rio exemplifica vários erros e acertos. Esse intercâmbio de informações com outros países é importante para se discutir modos de melhorar a vida das pessoas na cidade — disse. .

Para Denise Pinheiro, ex-diretora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ, a escolha do Rio é a consolidação da arquitetura moderna do Rio, representada pelos prédios do Ministério da Educação, o Aterro do Flamengo, o Instituto Moreira Sales e pela Barra da Tijuca.

— O Rio pulsa arquitetura da Zona Norte à Zona Sul. A expansão da Barra da Tijuca, o processo de renovação do centro da cidade, tudo isso tem trazido arquitetos mundialmente famosos para o Rio. Esse evento será a Copa do Mundo da Arquitetura, mas só com bons legados.

O evento contou com o especial apoio do Conselho Internacional dos Arquitetos de Língua Portuguesa (Cialp) e dos Estados Unidos, já que a vinda do congresso para a América Latina representa a quebra de um jejum de 36 anos – a última vez edição por aqui ocorreu na Cidade do México, em 1978. O presidente do Ciapl, João Belo Rodeia, que acompanhou a eleição do Rio em Durban disse que os arquitetos têm muito a aprender com a arquitetura do Brasil e do Rio de Janeiro em 2020:

— É uma vitória merecida, e todos os membros do Cialp ficam felizes com o resultado. Acredito que a realização do congresso no Rio será importante para a própria UIA, porque poderá centrar todos os países da América Latina. Para o Cialp, será um momento importante para a sua afirmação internacional. Creio também que será um momento central para a arquitetura e para os arquitetos, porque acredito que o Brasil é o microcosmo do mundo — afirmou.

César Freitas, do Instituto de Arquitetos de Cabo Verde, reforçou que as semelhanças entre o Brasil e os demais países de lingua portuguesa fazem com que a escolha do Rio tenha valor também para eles.

— É como se todos nós estivéssemos organizando o congresso através do Brasil. Temos muitos traços em comum, a extensão territorial, o passado da escravatura, a história antropológica e o próprio Carnaval tem uma grande expressão para nós.Sou fã do Rio, vibramos de alegria — disse.

Fonte: O Globo